Como o etarismo pode contribuir para o endividamento

Etarismo: conheça o preconceito que exclui os idosos e pode levá-los ao endividamento.

Velha idosa triste. Solitário da perda ou doente com dor de cabeça. Paciente perturbado em casa de repouso com estresse ou dor. Alzheimer, depressão, senilidade ou demência.

Publicado em: 23 de junho de 2023

Autora: Sâmia Frantz

Em março de 2023, muitas pessoas acompanharam estarrecidas um vídeo publicado nas redes sociais por três universitárias de Bauru (SP) que debochavam de uma colega do curso de Biomedicina. “Nesta idade, ela devia é estar aposentada”, diziam e gargalhavam. A mulher a que elas se referiam tinha 44 anos. O vídeo rapidamente viralizou e foi parar nas manchetes dos jornais de todo o país. Ficava claro ali um dos mais presentes e ardilosos preconceitos atuais: o etarismo.

Segundo uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS), a população idosa no mundo será de cerca de 2 bilhões de pessoas até 2050. O Brasil tem atualmente a quinta maior população idosa do mundo, e o cenário se encaminha – logo em breve – para uma inversão da pirâmide etária do país, segundoo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Neste artigo vamos mostrar o que é etarismo, como identificá-lo e o que a legislação brasileira prevê para essa situação.

O que é etarismo

Etarismo é o preconceito baseado na faixa etária. São práticas sutis mas discriminatórias que tentam, de certa forma, controlar a forma como as pessoas de mais idade se comportam, ditando o que seria ou não aceito pela sociedade.

O preconceito por idade leva a tratamentos injustos e desrespeitosos, afetando os direitos e a dignidade dos idosos. É bastante comum, por exemplo, que haja um descrédito sobre a forma como eles agem e que a vontade deles seja desconsiderada, como se fossem incapazes de tomar decisões sobre sua própria vida.

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Como o etarismo prejudica os idosos

O etarismo está enraizado em atitudes e crenças profundamente arraigadas na sociedade. Ele se sustenta em estereótipos preestabelecidos para cada faixa de idade: quem é mais jovem, por exemplo, possuiria bons atributos, como vigor e vitalidade, enquanto os mais maduros ficam vinculados à fragilidade, ineficiência e incapacidade. Quase como se tivessem um prazo de validade.

Essa concepção de velhice, no entanto, está associada à construção social de uma época em que a expectativa de vida era próxima dos 45 anos. Até hoje, no entanto, ela se mantém, ainda que esta realidade tenha mudado muito e os “entões” de hoje sejam bem diferentes dos que os antecederam. O fato é que quem passa dos 40 anos já começa a perceber algumas portas se fechando.

O termo etarismo é uma versão aportuguesada da palavra ageísmo, que no inglês significa “age” (ou idade) e descreve o preconceito contra pessoas por conta da idade. A palavra, no entanto, se diferencia da velhofobia, que representa o medo e a aversão à ideia de envelhecer.

Como o etarismo se manifesta

O etarismo se manifesta de diferentes formas, como violência física, psicológica ou até verbal, por meio de linguagem depreciativa e piadas ofensivas. Um preconceito velado e silencioso.

A maioria delas, no entanto, vem como algo sutil e disfarçado de conselhos, alertas e brincadeiras. Por isso, identificar uma situação de etarismo pode muitas vezes ser um desafio.

O preconceito por idade também se manifesta em situações em que os idosos:

● são marginalizados, ignorados ou excluídos de oportunidades;
● sofrem tratamento desigual em relação a pessoas de outras idades;
● têm acesso restrito a serviços de saúde e enfrentam barreiras para obter certos tratamentos médicos, exames, medicamentos ou cuidados de longo prazo;
● são excluídos de atividades sociais, eventos culturais, esportivos ou de lazer que restringem a idade e priorizam um público mais jovem;
● são ignorados ou estigmatizados em práticas de propaganda e marketing;
● são estereotipados pela mídia.

O etarismo pode causar exclusão social, que impacta negativamente a qualidade de vida dos idosos. Pode levar à solidão, ao isolamento e até mesmo provocar graves sequelas psicológicas nas vítimas.

Por isso, é fundamental combater essas atitudes e promover uma sociedade inclusiva e respeitosa para todas as idades.

Como o etarismo pode contribuir para o endividamento de idosos

Situações que perpetuam preconceitos com base na idade podem também resultar em outra consequência muito comum hoje: o endividamento de idosos. As práticas de etarismo em si não são causadoras desse mal, mas podem contribuir diretamente para tal.

Inúmeras situações podem levar à perda de renda e das economias ou ao desequilíbrio financeiro, aumentando a probabilidade de endividamento.

A falta de oportunidade de emprego é um exemplo. À medida que uma pessoa envelhece, as oportunidades se tornam cada vez mais escassas. Como conciliar a exigência de um mercado que demanda que a população trabalhe até se aposentar (por volta dos 60 ou 65 anos), mas dá poucas oportunidades para que isso aconteça?

Outro exemplo é a dificuldade de acesso a serviços financeiros adequados, como empréstimos, crédito ou hipotecas, já que não raro as instituições financeiras impõem condições desfavoráveis a esse público.

O acesso a serviços de saúde também pode estar associado aos riscos de endividamento. O aumento considerável nas despesas de saúde e cuidados de longo prazo pode gerar dificuldade para cobrir essas despesas.

Além disso, é comum ver idosos sofrendo exploração financeira ou sendo alvo de golpes financeiros, fraudes ou abusos por parte de pessoas que se aproveitam da idade ou vulnerabilidade deles. Às vezes acontecem também manipulação de suas finanças e até coerção para assinar documentos ou contratos que os prejudiquem.

Etarismo é crime?

O etarismo em si não é considerado crime. O termo não chega a ser mencionado expressamente na legislação brasileira, mas algumas práticas que advêm desse preconceito sim. É o caso dos maus-tratos, por exemplo.

Boa parte dos crimes contra idosos, no entanto, não estão descritos no Código Penal, como de praxe. Eles estão no Estatuto da Pessoa Idosa (Lei nº 10.741/2003), legislação que assegura os direitos das pessoas com idade igual ou superior a 60 anos e estabelece meios para protegê-las da discriminação e de possíveis abusos.

Ali estão previstos cerca de 20 diferentes crimes, especialmente situações vexatórias e que buscam oprimir, humilhar, desdenhar, menosprezar e negligenciar seus direitos. É o caso, por exemplo, de obstar o acesso a cargo público em razão da idade e negar emprego pelo mesmo motivo, ambos puníveis com multa e reclusão de seis meses a um ano.

Além disso, também é punível:

● exibir informações ou imagens depreciativas ou injuriosas contra o idoso (multa e detenção de um a três anos);
● deixar de prestar assistência ou recusar, retardar ou dificultar seu acesso (multa e reclusão de seis meses a um ano);
● colocar em risco a sua vida ou saúde, através de condições degradantes ou desumanas (multa e detenção de dois meses a um ano);
● privá-lo de alimentos e cuidados indispensáveis (multa e detenção de dois meses a um ano);
● sujeitá-lo a trabalho excessivo ou inadequado (multa e detenção de dois meses a um ano);
● apropriar-se ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento (multa e reclusão de um a quatro anos).